quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Sabem ao que vão

Numa reportagem publicada a 18 de Julho de 2008, de nome "Clientes sabem ao que vão", o único que sem ser jurista ou advogado, falou acertadamente, foi o Director-Geral da Saúde, Francisco George (personagem de quem já falei anteriormente noutro texto, não pelas melhores razões).

A reportagem trata de um prostituto infectado com o vírus da SIDA que se continua a prostituir. Deste modo quem mantiver contacto sexual com este individuo, corre o risco de ser contaminado com este vírus mortal.

Para Beatriz Casais (Coordenação Nacional para a Infecção VIH/sida) e Joana Amaral Dias (psicóloga clínica e ex-deputada do BE), porque a prostituição está fora da legalidade nada se pode fazer para se evitar que os infectados com sida se continuem a prostituir.

Mais espanto me causou a opinião da jurista entrevistada, que entende não haver crime de propaganda de doença, isto também por questões de legalidade, pois tanto prostitutos como clientes estão fora da lei e sabem ao que vão!

Ora bem, quedamo-nos a discutir a questão da legalidade. No entender destas senhoras, pelo facto da prostituição não ser legal, e pelos clientes procurarem um serviço ilegal, não terão qualquer protecção se foram contaminados. Porque «sabem ao que vão».

Ainda não lhes deve ter passado pela cabeça que quem tem sida e se prostitui, não anda a bradar aos céus que é portador de tal doença, e permite que outrem se arrisque a um destino fatal (ainda que o cliente tenha a obrigação de pelo menos intuir e saber ao risco a que se expõe). Ainda assim, não podemos apenas dizer calmamente que as pessoas sabem ao que vão. É claro que sabem perfeitamente que podem apanhar uma DST, mas certamente pensam que estão protegidos e que o/a prostituto/a não está infectado (e mesmo que lhe pergunte, a pessoa dificilmente falará verdade). Ninguém vai dizer "tenho sida mas preciso de dinheiro, vamos?" E mesmo que se use protecção, podem existir feridas noutros locais, e daí ocorrerem troca de fluidos contaminados. E ainda que o cliente saiba que o/a prostituto/a é portador/a de tal vírus, e se arriscar a sair infectado, não se poderá dizer que não há aqui crime de propagação de doença, pelo facto do cliente se expor voluntariamente ao risco!

Nem se pode tão pouco defender que se a prostituição não é criminalizada, nenhum facto que ocorra ou decorra do encontro sexual poderá ser criminalizado!

Felizmente que o Código Penal não foi pensado por quem afirma que nada se pode fazer nem nada que seja relacionado com a prostituição é crime. Muito bem considerou Francisco George, ao considerar este "deixar correr o risco" como crime de propaganda de doença,.

Vejamos o que diz o CP no seu art.º 283:

1 - Quem:
a) Propagar doença contagiosa;
(...)
e criar deste modo perigo para a vida ou perigo grave para a integridade física de outrem é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.
2 - Se o perigo referido no n.º anterior for criado por negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos.
3 - Se a conduta referida no n.º 1 for praticada com negligência, o agente é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

Muito bem que o/a prostituto/a não anda com um bocado de sangue contaminado a ver quem o quer ingerir da sua mão; mas vende o seu corpo contaminado e sabe-o muito bem.

Aqui poder-se-ia entrar na discussão de saber se existe dolo directo (sei que tenho sida e quero transmiti-la) ou dolo eventual (sei que tenho sida e transmita-a ou não, não quero saber); ou até entrar no campo da negligência, visto que o art.º 283 assim o permite, mas isso seriam considerações excessivamente bondosas...

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