terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Alegações Finais

Ontem deu-se a 2.ª sessão do meu 1.º julgamento.
Foi ouvida a testemunha faltosa - e última a ser ouvida - da qual ainda consegui algumas contradições para juntar às contradições das testemunhas anteriores e às minhas alegações finais. Após a testemunha ter sido ouvida; foi permitido ao meu constituinte apresentar à juiza um desenho do "local do crime", de modo a se entender a posição dos veiculos e de todos os intervenientes. Nisto, o ofendido - que esteve também presente na sala a ouvir tudo quanto se passava - interrompeu a juiza e quis também ele mostrar um desenho elaborado por si naquele momento! Ora, como o sr. ofendido se dirigiu ao tribunal na qualidade de testemunha arrolado pelo MP, e como já tinha sido ouvido nessa qualidade, a sua intervenção já terminara e nada mais poderia apresentar. Foi isto precisamente que a juiza lhe disse, mas o sr. ofendido continuou a dizer que queria apresentar um documento e que na secretaria lhe tinham dito que ele o podia fazer a todo o tempo na audiência! Contudo, o pormenor de se ser testemunha é muito relevante... Tal não foi a arrogância e má criação, que o sr. quase foi posto fora da sala! Assim, sentou-se a resmungar, preperando-se para ouvir o demais... A procuradora nas suas doutas alegações finais pediu a condenação do arguido em pena de multa, e a seguir falei eu!
Pois não me bastei com um peço justiça envergonhado! Apresentei os meus argumentos, ordenadamente, expliquei os requisitos necessários para o preenchimento do crime de ameaças, baseada no C.P. Comentário Conimbricense, expliquei as diferenças do actual C.P. com o anterior de 1886 e com a doutrina alemã, e porque entendia que os mesmos requisitos não se tinham verificado; relatei alto e em bom som as contradições das testemunhas, e o jeito de pompa e circunstância levados a tribunal numa atitude de fazer perder tempo com picardias e vinganças por parte do ofendido; que com tanta inquietude e tão amedrontado, ainda teve capacidade para perseguir o arguido durante cerca de 1h até um armazém e arriscar-se a ficar sozinho no dito local com o arguido e seus colegas! Fui irónica q.b. (espero mesmo só q.b.) e espero não levar nenhum processo!
Enquanto alegava, o ofendido não parava quieto no banco. Ora se mexia, ora batia o pé, ora bufava por todo o lado e respirava fundo, ora tossia! O engraçado é que quanto mais o homem demonstrava o seu descontentamento, mais garra e gozo me dava! Uma cena digna de se ver!
A leitura de sentença está marcada para dia 5 de Março. Veremos qual a decisão da juiza.. Mas que ontem o dia me correu bem e o sr. ofendido passou mal, ai isso passou!
Fiquei feliz e ainda estou! Principalmente porque chegou um dia tão esperado, o dia em que tivesse de alegar perante um tribunal! Só não me pude passear pelo "palco" tal como nos filmes, mas que me senti um autêntico Al Pacino ou Dustin Hoffman, senti! E se gostei!
Fiquei feliz porque pensei que o medo me dominasse e não fosse capaz do que me imaginava fazer em miuda, mas consegui! E ainda estou muito feliz!
Que me desculpem os meus amigos, mas ainda vou falar do meu 1.º julgamento durante muito tempo!
Quando for proferida a sentença, relatarei o caso em concreto.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Os Expostos

Cronologia da Pena de Morte em Portugal

· 1852: Abolida para crimes políticos (art. 16.º do Acto Adicional à Carta Constitucional de 5 de Julho, sancionado por D. Maria II).

· 1867: Abolida para crimes civis, excepto por traição durante a guerra. (Lei 1 Julho 1867). A proposta partiu do ministro da Justiça Augusto César Barjona de Freitas, sendo submetida à discussão na Câmara dos Deputados. Transitou depois à Câmara dos Pares, onde foi aprovada. Mas a pena de morte continuava no Código de Justiça Militar. Em 1874, quando o soldado de infantaria nº 2, António Coelho, assassinou o alferes Palma e Brito, levantou-se grande discussão sobre a pena a aplicar.

· 1911: Abolição para todos os crimes, incluindo os militares.

· 1916: Readmitida a pena de morte para traição em tempo de guerra.

· 1976: Abolição total.

Actualmente, a pena de morte é um acto proibido e ilegal segundo o art. 24.º alínea 2 da CRP.
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A última execução conhecida em território português, por motivos de delito civil, ocorreu em Abril de 1846, em Lagos. Quanto a crimes militares, consta que a última execução terá ocorrido em França, cujo condenado seria um soldado do Corpo Expedicionário Português, durante a 1.ª Guerra Mundial.

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Quanto às mulheres, Luísa de Jesus foi a última executada, em Coimbra a 1 de Julho de 1772. Tinha 22 anos e foi condenada à morte por ter assassinado 33 expostos - bebés abandonados -que ia buscar à famosa "roda" de Coimbra, ora usando o seu nome, ora um falso, de modo a receber o enxoval da criança e 600 réis que eram dados por cada criança.

A roda dos expostos consistia num mecanismo utilizado para abandonar (expor na linguagem da época) recem-nascidos que ficavam ao cuidado de instituições de caridade ou de quem os quisesse acolher.

O mecanismo, em forma de tambor giratório, era embutido numa parede, e construído de forma a evitar a pessoa que abandonava a criança, fosse visível por quem a recebia.

Assim os bebés abandonados ganhavam o nome de “expostos”.


Imagem:
Roda dos expostos (Recolhimento de Santa Maria Madalena, Ilha de Santa Maria (Açores).

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ira


Mulher, personificando o pecado da ira, rasga suas vestes com o rosto transfigurado por forte emoção - Giotto (1267-1337) - Capela Scovegni, Pádua, Itália.
Ira, tenebroso sentimento, e um dos sete pecados mortais. Ira sempre sobre o mesmo assunto. Ira sempre contra a mesma pessoa, ou resto de gente, como eu defino. Ira que guardada de inúmeros acontecimentos, acumulando um explosão de sentimentos que são despoletados ocasionalmente quando o "tema" é trazido à conversa, ou à visão. Por vezes nem é preciso falar, basta ver e tudo regressa outra vez, qual sentimento adormecido sempre à espreita de acordar e se revelar.

Sentimento guardado a sete chaves que num ápice solta todas as fechaduras e amarras e tudo derruba. Sentimento transponível a todo o instante, capaz de passar pelas barreiras mais meticulosas, altas e espessas.

Num instante, anos de trabalho interior é praticamente perdido, sendo necessário reconstruir novamente toda a estrutura, muros e barreiras. Impossível de controlar, impossível de reter durante longos períodos como se fosse invisível e insensível.

É um lutar sozinho, uma batalha a travar interna e exteriormente. Trabalho árduo de um só, fácil de destruir pelos demais que nem reconhecem o esforço, nem respeitam a dor, mágoa e rancor que provocam com as suas atitudes egoístas.
Egoísmo puro que magoa demais. Egoísmo cego que não vê nem quer ver o transtorno que provoca, pelo simples egoísmo. Egoísmo que só arrebata rancor, e torna o monstro cada vez mais difícil de adormecer. E embora vá adormecer novamente, tenho certeza que em breve, estará de volta. E volta num rugido cada dia mais sonoro.


Ira, é o que hoje sinto.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Oratória

De momento estou a ler um livro de Vitorino Prata Castelo Branco, «O advogado e a defesa oral». Nesta fase do meu estágio, considero importantíssimo adquirir todo e qualquer conhecimento acerca do comportamento em tribunal, não só perante juízes e colegas, mas também perante a plateia que ocasionalmente se senta a assistir a um julgamento. Esta excelente obra, contem inúmeros conselhos sobre a postura do advogado, sua dicção e tom de voz e movimentação do corpo; indicando ainda várias estratégias para captar a atenção dos espectadores e dar mais ênfase ao que se está a dizer. Para além de ensinar a "história da oratória" na Grécia e Roma antiga, ensina ainda a elaborar todo um discurso eloquente de modo a preparar o advogado para quando for a "hora da verdade" nas alegações orais.

Atrevo-me a citar um pequeno trecho (pág.60):

"O rosto do advogado, na oratória, deve ser o espelho do que «Io fala, expressando alegria, tristeza, cólera, ternura, enfim todos os sentimentos que suas palavras procuram exprimir. Os olhos devem brilhar se fala de temas felizes e amortecer se lembra de do adversário; será este recurso tão eficiente como o daquele velho advogado que ouvia o promotor público com seu charuto aceso, equilibrando a cinza, atitude que roubava as atenções gerais, ficando todos à espera da queda da parte queimada, ou daquele outro que, distraidamente, no melhor da argumentação do acusador, deixava cair um livro da tribuna, destruindo a oratória contrária.
Evaristo de Morais costumava escrever os pontos principais da acusação em retângulos de papel e, chegando a sua vez de falar, lia-os em voz alta, dissecava-os, destruindo-os em seguida com a sua argumentação fabulosa, quando então rasgava os papéis em pedacinhos, fazendo cair os mesmos em chuva sobre a mesa, numa demonstração objetiva de que nada daquilo mais restava."
É precisamente com este tipo de atitude e comportamento, que sempre imaginei num bom advogado; actuando como se a sala de audiências de um palco se tratasse! Sem exageros claro nem representações teatrais, que só serviriam para desprestigiar e ridicularizar o advogado.
É uma leitura que aconselho a todos os advogados e juízes! Principalmente aos mais intimidáveis e intimidantes!

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Antes deste livro, estive a ler uma das obras do Dr. Juiz Hélder Fráguas, «Se a justiça falasse»! A obra está repleta de histórias verídicas ocorridas em tribunal, casos empolgantes e autênticas revira voltas em plena audiência! O Dr. Fráguas vai relatando não só diversos casos seus, como também de outros colegas. Uns casos mais emocionantes outros mais revoltantes; mas sempre com boas decisões a final, após uma excelente visão e ponderação das motivações de todos os intervenientes.

É uma obra com a qual se aprende a ter noção de como um caso pode revirar totalmente em audiência, principalmente pelo testemunho das testemunhas, e apanhar completamente desprevenido, o advogado mais preparado. Demonstra ainda como uma sentença poderá mudar nos últimos instantes, e nada está garantido desde o inicio de um processo. De certo modo, o relato das situações, ainda que assustador para um estagiário, também serve como calmante, na medida em que nos adverte dos perigos a fugir e a não cometer! E claro, a ter noção que o inesperado pode suceder a qualquer momento a qualquer um de nós! Por isso mesmo, convém preparar bem um julgamento, e estar a par de toda e qualquer mudança no processo, e delinear uma estratégia a seguir, como "plano B" ou "C" ou "D" inclusive!

Quanto aos casos de outros colegas, relatados nesta obra, destaco o das bananas! Não só pela comédia do caso em si, como também e principalmente pelo terror do causidico, que num primeiro julgamento, se vê numa autêntica batalha campal entre testemunha e juiz e a ver o seu processo tão bem delineado transformar-se em dois, em poucos segundos! Um autêntico horror para qualquer estagiário!

Uma empolgante obra que aconselho a todos quantos se interessem pela justiça e queiram conhecer o seu mundo, tão próprio!
Já agora, a próxima sessão do meu julgamento será 2.ª feira, dia 16, a qual aguardo ansiosamente, e estando a preparar a alteração às minhas alegações orais, uma vez que consegui algumas contradições das testemunhas, e ainda falta ouvir uma! E claro, vou alterar as alegações também devido às recentes obras lidas, que muito me ajudaram!
Bem haja aos seus escritores!
Entretanto também já acabei o livro de Vitorino... É tempo de encontrar outra boa obra para me entreter!