quarta-feira, 30 de setembro de 2009

A Morte dos Corações

A 28 de Setembro de 2009, um advogado foi baleado com dois tiros na cabeça, no seu escritório, pelo marido de uma cliente que estava a patrocinar numa acção de divórcio. O causidico ainda foi transportado aos Hospitais da Universidade de Coimbra, com vida, onde permaneceu em estado de coma até falecer, nesse mesmo dia.
É de lamentar a morte deste profissional. É de lamentar a morte em qualquer circunstância, seja ela natural ou não, seja ela cometida sobre que pessoa for. Por muito que por vezes não gostemos de alguém, a morte - nossa ou de outrem - nunca é solução para os problemas existentes.

Ao que parece, a morte resultou do ódio, da raiva, do desespero, da vingança, sabe-se lá por quais motivos. Contudo nunca existem motivos ou razões que desculpem tal acto. Quem acabou por pagar a falta de amor, de tolerância e de compreensão entre o casal, foi o advogado de uma das partes, que simplesmente teria sido contratado para resolver a questão do divórcio.

Todos serão culpados menos (em princípio) o advogado envolvido e que acabou por ter o destino traçado.

Na maioria dos casos, quando o coração aperta e não sabe entender nem aceitar o seu fim, nem se fazer compreender, reage magoado, humilhado, desesperado, revoltado e despeitado; e quem se lhe atravessa à frente, arca com toda a dor que o vem despedaçando.

Certamente que o assassino estará arrependido, pois o seu alvo seria outro, esse outro com quem o seu coração está em conflito.

Hoje em dia, os casais não sabem ser amigos nem tão pouco lutar para o mesmo lado. É cada um por si, ou melhor, um a agir por egoísmo, enquanto outro se esforça por remar pelos dois. Quando tudo se tenta em nome do amor, e no fim, se vê e sente que nada resultou nem lhe foi dado valor algum, a dor consegue corroer até à mais pequena célula de nós. Porque a dignidade tem o nosso nome, tem a nossa alma, e se a dignidade é ofendida somos nós que o somos bem cá dentro na nossa alma. E quando a alma grita de dor, tudo se torna possível, mesmo que nada desculpe a morte.

Poucos são os tolerantes, os que não acabam por «dá cá aquela palha», os que vivem a engolir desgostos e humilhações e ainda assim continuam a dar-se por inteiro, mesmo a quem não merece. Razão tem quem disse que o amor é cego, porque tudo vale a pena para quem ama, mesmo quando para a outra parte nada vale tanto a pena como algo que não somos nós.

Poucos são os que abdicam e se dedicam ao outro, estabelecendo o outro como prioridade. No entanto o anular-se a si próprio é cegueira por completo, que retira toda a dignidade só por si. Há que amar o outro, mas não acima de nós. De modo que quando não somos a escolha de alguém, devemos escolher-nos a nós próprios e aprender a gostar de nós, sem nos anularmos e rastejarmos por quem não nos ama. Porque isso não é amor. É egoísmo de quem se guia por interesses e não se importa de magoar a quem meramente diz, gostar.

domingo, 6 de setembro de 2009

Velha Página

Velha Página

Chove. Que mágoa lá fora!
Que mágoa! Embruscam-se os ares
Sobre este rio que chora
Velhos e eternos pesares.

E sinto o que a terra sente
E a tristeza que diviso,
Eu, de teus olhos ausente,
Ausente de teu sorriso...

As asas loucas abrindo,
Meus versos, num longo anseio,
Morrerão, sem que, sorrindo,
Possa acolhê-los teu seio!
Ah! quem mandou que fizesses
Minh'alma da tua escrava,
E ouvisses as minhas preces,
Chorando como eu chorava?

Por que é que um dia me ouviste,
Tão pálida e alvoroçada,
E, como quem ama, triste,
Como quem ama, calada?

Tu tens um nome celeste...
Quem é do céu é sensível!
Por que é que me não disseste
Toda a verdade terrível?

Por que, fugindo impiedosa,
Desertas o nosso ninho?
- Era tão bela esta rosa!...
Já me tardava este espinho!

Fora melhor, porventura,
Ficar no antigo degredo
Que conhecer a ventura
Para perdê-la tão cedo!

Por que me ouviste, enxugando
O pranto das minhas faces?
Viste que eu vinha chorando...
Antes assim me deixasses!

Antes! Menor me seria
O sofrimento, querida!
Antes! a mão que alivia
A dor, e cura a ferida,

Não deve depois, tranqüila,
Vendo sufocada a mágoa,
Encher de sangue a pupila
Que já vira cheia de água...

Mas junto a mim que te falta?
Que glória maior te chama?
Não sei de glória mais alta
Do que a glória de quem ama!

Talvez te chame a riqueza...
Despreza-a, beija-me, e fica!
Verás que assim, com certeza,
Não há quem seja mais rica!

Como é que quebras os laços
Com que prendi o universo,
Entre os nossos quatro braços,
Na jaula azul do meu verso?

Como hei de eu, de hoje em diante,
Viver, depois que partires?
Como queres tu que eu cante
No dia em que não me ouvires?

Tem pena de mim! tem pena
De alma tão fraca! Como há de
Minh'alma, que é tão pequena,

Poder com tanta saudade?!

Olavo Bilac, in "Poesias"